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3.1 Os Tablets e os Smartphones são Prejudiciais às Crianças? Aumentam o Risco de Miopia?

Tablets e smartphones

Em anos recentes a massificação das novas tecnologias e, em particular, a crescente acessibilidade de crianças a dispositivos como tablets e smartphones tem levantado questões relativamente à sua influência no desenvolvimento infantil.

Um estudo recente no Reino Unido determinou que 65% das crianças entre os 3 e os 7 anos têm acesso a tablets no seu seio familiar1, estando disponíveis inúmeras aplicações digitais destinadas a educar ou simplesmente entreter bebés e crianças.

Alguns investigadores têm realçado influências positivas dos tablets nas capacidades infantis de criatividade e de jogo2, assim como o seu potencial enquanto instrumento de literacia em crianças saudáveis3 e em crianças com perturbação do espectro do autismo, particularmente na aquisição de linguagens alternativas de comunicação4,5.

No entanto, também os efeitos prejudiciais de tablets e smartphones têm sido alvo de investigação.

A Academia Americana de Pediatria realça que existem inúmeras preocupações quanto à saúde e desenvolvimento de crianças pequenas excessivamente expostas a tecnologia digital, existindo evidência suficiente para não recomendar essa exposição antes dos 18 meses e, posteriormente, restringi-la apenas a 1 hora por dia de conteúdos didáticos supervisionados pelos pais até aos 5 anos6.

No que se refere à saúde ocular, dois estudos recentes concluíram que a utilização de smartphones está associada a síndrome do olho seco nas crianças, sendo o principal fator de risco, o tempo de utilização destes dispositivos7,8.

Por outro lado, o tempo despendido em atividades ao ar livre revelou ser um fator protetor contra síndrome do olho seco nesta faixa etária7,8.

Um estudo retrospetivo com 12 doentes avaliou a influência da utilização de smartphones no desenvolvimento de esotropia aguda adquirida concomitante em adolescentes, concluindo que o uso excessivo e mantido desta tecnologia (mais de 4h/dia durante pelo menos 4 meses) poderia contribuir para o desenvolvimento de esotropia aguda.

A redução da utilização de smartphones permitia diminuir o grau da esotropia, sendo possível corrigir cirurgicamente o ângulo de desvio residual8.

Aumento da prevalência de miopia até 2050

Ainda que fatores de hereditariedade e étnicos tenham um peso importante no desenvolvimento de miopia, não se exclui a contribuição de influências ambientais10,11,12,13, sobretudo se tivermos em conta o recente aumento exponencial na prevalência de miopia e de alta miopia a nível mundial, incluindo em crianças mais jovens e, particularmente, em populações do Este Asiático14.

Calcula-se que a prevalência mundial de miopia simples (22%) e de alta miopia (2,7%) venha aumentar para o dobro e para o triplo, respetivamente, entre os anos 2000 e 205015.

Este aumento de prevalência de miopia impõe um enorme peso a nível socio-económico16, além do preocupante risco cumulativo de compromisso visual a longo prazo que, sendo superior na alta miopia (39%), está também presente na miopia simples (4%)17.

Até à data nenhum estudo avaliou objetivamente o efeito dos tablets e smartphones no risco de desenvolvimento de erros refrativos nas crianças, nomeadamente de miopia.

No entanto, tendo em conta a elevada exigência visual e acomodação que tarefas para perto requerem, bem como a tendência para a miopia ser diagnosticada em idade escolar, inúmeros estudos procuraram relacionar o tempo despendido nestas atividades com o desenvolvimento de miopia18.

A maioria das investigações conduzidas em crianças considerou como tarefas para perto: a realização de trabalhos de casa escolares, a leitura de livros, tocar um instrumento musical, utilizar o computador, jogar consola, jogos de vídeo ou jogos de tabuleiro18.

Uma revisão sistemática publicada em 2015 concluiu que um maior número de horas despendido em atividades para perto, em particular com a leitura, estaria associado a risco de miopia, uma vez que se verificava um aumento da prevalência deste erro refrativo18. Considerando a utilização de tablets e smartphones como tarefas para perto, parece-nos plausível que as referidas conclusões também sejam válidas para a atividade envolvendo estes dispositivos, ainda que não tenha sido considerada nestes estudos, cujo teor heterogéneo exige a realização de ensaios clínicos randomizados longitudinais no futuro18.

O tempo que crianças e adolescentes despendem em atividades ao ar livre tem sido consistentemente considerado um fator protetor para o desenvolvimento e progressão de miopia13, podendo eventualmente servir de base para futuras estratégias preventivas.

Este caráter protetor não é simplesmente explicado por um efeito de substituição das tarefas para perto, uma vez que as crianças que passam menos horas por dia no exterior não são necessariamente aquelas que mais tempo passam a realizar atividades para perto19.

Alguns dos mecanismos propostos para o efeito protetor do tempo passado ao ar livre prendem-se com a maior intensidade da luz, que assim origina maior constrição pupilar, maior profundidade de campo visual e menor blur das imagens19; por outro lado, com maior intensidade de luz há maior libertação de dopamina pela retina, que funciona como um inibidor do crescimento do olho19.

Não se pode, contudo, excluir um efeito reverso de causalidade, uma vez que não foi determinada a temporalidade entre exposição ao ar livre e o outcome miopia, sendo possível que crianças com miopia passem, à partida, menos tempo em atividades ao ar livre do que crianças sem erro refrativo13.

 

Autore(s)

Departamento Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo - Serviço de Oftalmologia Hospital Luz - Lisboa. Lisboa, Portugal

(Direção de Serviço: Filomena Ribeiro)

Serviço de Oftalmologia, Hospital de Vila Franca de Xira - Clínica Universitária de Oftalmologia, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal

(Direção de Serviço: Miguel Amaro)