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4.1.1 O que é a Síndrome da Fadiga Ocular ao Computador ou Astenopia Digital?

A Síndrome de Fadiga Ocular ao Computador (SFOC), ou Astenopia Digital (AD), é uma perturbação transitória e inespecífica, de causa multifatorial e que é responsável por um conjunto de sintomas oculares e visuais associados ao uso de computadores, bem como de outros dispositivos electrónicos como estações de videojogos, tablets, smartphones, leitores de e-books, quer com finalidade recreativa, quer em contexto laboral, quando usados 2 ou mais horas.

Podem afectar crianças, jovens e adultos, em qualquer lugar (público ou privado) e a qualquer hora1-3.

Um estudo norte americano contemplando 70 milhões de trabalhadores estima que 90% dos mesmos utiliza o computador em mais de 2 horas por dia, e 60% em mais de 5 horas.

Estima-se, nesse mesmo estudo, que cerca de 65% dos americanos padeçam desta síndrome em algum grau1,4.

A utilização cada vez mais difundida destes dispositivos para a realização de um crescente número de atividades do quotidiano torna esta síndrome clínica e estatisticamente muito relevante.

Manifestações clínicas - A utilização crescente de dispositivos electrónicos está associado a um maior esforço de visão para perto, acarretando um aumento das exigências de focagem para essa distância (esforço do músculo ciliar - acomodação), uma perpetuada convergência dos olhos e uma maior atenção visual (com consequente diminuição do pestanejo e queixas de olho seco).

Quando esse esforço é grande e/ou mantido surge a falência dos mecanismos de adaptação, com exaustão dos músculos oculares (intrínsecos e extrínsecos), e subsequentemente a fadiga visual (astenopia) com consequente incapacidade de realizar as tarefas que se pretendia.

O principal factor contribuinte para a SFOC/AD é o olho seco3.

A redução do pestanejo associada à utilização dos dispositivos electrónicos está documentada e favorece as queixas de olho seco ao aumentar a evaporação do filme lacrimal2,3.

Adicionalmente, a leitura em computadores é realizada segundo um plano horizontal o que favorece o aumento da abertura palpebral (com consequente aumento da área de evaporação do filme lacrimal), o que também é um factor contribuinte para esta síndrome2.

Outras causas de exacerbação prendem- se com a presença de uma abertura palpebral grande (sobretudo quando o ecrã é colocado muito alto), a presença de ambientes secos e com fluxos de ar forte, o uso de lentes de contacto e a utilização de fármacos sistémicos que potenciam a presença de olho seco como beta-bloqueantes, anti-histamínicos, antidepressivos tricíclicos e alguns inibidores da recaptação da serotonina, isotretinoína e alguns diuréticos2,5.

A distância de trabalho pequena associada ao uso de aparelhos electrónicos assim como a necessidade de manter a focagem continuadamente, levam a um estímulo permanente do reflexo de acomodação-convergência, com o qual ocorre contração pupilar, convergência e contração das fibras circulares do músculo ciliar, com consequente relaxamento das fibras zonulares e modificação da curvatura do cristalino de modo a aumentar o seu poder refractivo e favorecer a visão de perto5.

Desta forma, a contração continuada do músculo ciliar, com o intuito de manter a acomodação durante períodos prolongados de tempo, é responsável pelas queixas de astenopia manifestas nesta síndrome, nomeadamente a dificuldade na leitura mais evidente no final do dia, assim como na focagem ao transitar da visão de perto para longe1-3,5.

A presença de distúrbios visuais como a insuficiência de convergência, dificuldades na acomodação e alterações da função binocular também são um factor contribuinte para as queixas visuais nesta síndrome; sendo que muitos indivíduos têm alterações frustes deste foro, que, na presença de situações com maior exigência visual poderão então tornar-se manifestas2,5,8.

Tem vindo a ser demonstrado que após a utilização de dispositivos electrónicos existe uma prevalência aumentada de diminuição da amplitude de acomodação, aumento do ponto próximo de acomodação, insuficiência de convergência e exoforia.

Estas alterações parecem ser transitórias, no entanto tratam-se de indicadores objectivos da fadiga visual subjectiva experimentada por estes doentes1-3,8.

De um ponto de vista ergonómico, também são vários os factores que se relacionam com o desconforto e fadiga visual1-3.

A iluminação pode afectar significativamente as queixas.

O défice de iluminação é deletério, pois tendencialmente aumenta a exigência visual, favorecendo a aproximação dos objetos com deficiente postura, aumento da convergência e acomodação bem como favorecendo a redução da frequência de pestanejo, o que contribui para a evaporação do filme lacrimal6.

Por outro lado, o excesso de luminância (janelas grandes, candeeiros de secretária mal posicionados ou fontes luminosas por cima do indivíduo) e a sua distribuição errónea no campo visual pode aumentar o brilho no ecrã, com consequente encandeamento do utilizador, aumentando assim as queixas de fadiga ocular.2,3,6

Uma sobreexposição à luz azul, emitida pelos ecrãs LED, pode interromper a secreção de melatonina, e alterar a qualidade do sono; por outro lado os videojogos estão associados a uma imersão do jogador e a um ecrã com intenso flicker, que pode estimular alterações de funções sistémicas e endócrinas (elevados níveis de cortisol) com consequentes alterações no comportamento, humor, motivação e aprendizagem.7

Clinicamente esta síndrome manifesta-se por 5 grupos de sintomas1-3,5,8,9 que são por vezes são vagos, ou difíceis de descrever, e quem sofre deste distúrbio muitas vezes não está consciente dos mesmos:

- Sintomas relacionados com a Astenopia: sensação de peso/cansaço ocular, cefaleias.

- O esforço acomodativo, durante o trabalho para perto, pode ser responsável por o desenvolvimento de miopia, a qual é temporária (por excesso de acomodação), não parecendo ser maior a incidência de miopia nestes utlilizadores.9

- Sintomas relacionados com o Olho Seco: sensação de corpo estranho, irritação/ardor ocular, olho vermelho, lacrimejo, intolerância às lentes de contacto5.

- Sintomas relacionados com a Fadiga Visual: visão turva para perto ao final do dia, visão turva para longe após estar muito tempo a ver ao perto, lentidão de focagem e diplopia (menos frequente e normalmente associada a uma foria).1-3,8

- Sintomas Musculares: dor ao nível da região cervical, ombros e coluna associados à postura utilizada.2

- Sintomas Psicológicos: fadiga, irritabilidade, diminuição da concentração, problemas de memória ou sono, entre outros.2,7

Não obstante o carácter vago da sua sintomatologia, esta pode ser reduzida ou mesmo eliminada, se a síndrome for diagnosticada e tratada.

No tratamento da SFOC/AD torna- se relevante considerar a terapêutica das patologias oculares associadas, bem como a educação do paciente no que diz respeito a estratégias de adaptação ao seu ambiente.

 

Estratégias oculares:

- Problemas Refractivos: Detecção em consulta de oftalmologia de qualquer erro refractivo, que naturalmente deve ser corrigido.
Nos doentes com presbiopia é particularmente importante a utilização de lentes progressivas com um canal alargado, de modo a facilitar a transição entre a visão de longe, intermédia e perto, ou lentes ocupacionais, para que se corrija a visão de perto e intermédia (quando não existe erro refractivo para longe)2.
Em utilizadores de dispositivos electrónicos e queixas de fadiga ocular a utilização de lentes de baixa adição de perto, com filtro para a luz azul emitida por estes dispositivos e filtro antirreflexo pensa-se poder associar-se a uma redução das queixas nestes doentes6.
Nos utilizadores de lentes ocupacionais, ou progressivas, dever-se-á posicionar o monitor um pouco mais abaixo, facilitando a utilização adequada das referidas lentes, evitando a movimentação do pescoço e cabeça para trás10.

- Realização de Pausas durante a Atividade Com Dispositivos Electrónicos: Acredita-se que desviar o olhar para um objecto distante pelo menos duas vezes por hora durante o uso do computador seja suficiente para a prevenção da fadiga visual.1-3
Alternativamente poderá recorrer-se à regra 20- 20-20, que postula que em cada 20 minutos se faça uma pausa de 20 segundos a olhar para uma distância de 20 pés (6 metros).
A realização destas pausas permitirá relaxar as fibras circulares do músculo ciliar e aumentar o pestanejo, promovendo, consequentemente, a lubrificação do olho4.

- Alterações da Visão Binocular e Acomodação: Detecção em consulta de oftalmologia de alterações da visão binocular (ex. insuficiência de convergência, etc) e acomodação, com consequente correção ortóptica das mesmas.

- Tratamento do Olho Seco: Na maioria destes 36 doentes utilizam-se lubrificantes oculares, havendo uma redução significativa das queixas. São preferíveis as lágrimas com polímeros de maior viscosidade como o ácido hialurónico ou os carbómeros5.

 

Estratégias ambientais:

- Humidade Ambiente: Evitar ambientes secos, fluxos de ar forte, poeiras ou fumos. Regulação criteriosa da temperatura e fluxo de ar em sistemas de ar condicionado e de aquecimento central, mantendo um nível de humidade de cerca de 45%. Utilizar plantas no espaço de trabalho.
O uso de um copo de água junto ao ambiente de trabalho poderá contribuir para a diminuição de queixas associadas ao olho seco.1-3,5

- Iluminação: O objectivo é criar um ambiente com uma intensidade luminosa constante em todo o campo visual através da evicção de fontes luminosas de elevada intensidade junto aos ecrãs ou sobre o utilizador, utilização de estores para filtrar a luz excessiva através de janelas e preferir fontes luminosas na área que sejam de luz amarela (a qual parece provocar menos glare).1-3,12

- Posicionamento do Ecrã: Utilizar uma distância de 35-40 cm entre os olhos do utilizador e o ecrã promove maior conforto visual e evita a adopção de posturas desconfortáveis que se relacionam com a presença de dor cervical e ao nível dos ombros. 
O nível superior do ecrã deve estar ao nível dos olhos, criando um ângulo de cerca de 10 a 20o com o eixo visual, pois o nosso sistema visual está adaptado, e prefere, olhar para baixo.2

- Características do Ecrã: Ecrãs com filtros antirreflexo parecem aumentar o conforto visual, mas com efeito controverso na astenopia. Na leitura de textos, evitar composições apenas por maiúsculas e utilizar espaçamento maior no texto para melhorar a legibilidade.2

 

Conclusão:

Felizmente esta síndrome não deixa sequelas irreversíveis.

É importante o seu diagnóstico numa consulta de rotina de Oftalmologia, pois é possível com certas medidas, acima descritas, atenuar ou mesmo eliminar as suas queixas, o que, para além de melhorar a qualidade de visão e vida, melhora a performance profissional e o processamento mental (ao reduzir a fadiga, irritabilidade, diminuição da concentração e da memória), evitando consequentemente o ‘erro humano’.

 

 

Autore(s)

Serviço de Oftalmologia do Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca E.P.E.. Amadora, Portugal

(Direção de Serviço: Isabel Prieto)

Serviço de Oftalmologia do Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca E.P.E.. Lisboa, Portugal

(Direção de Serviço: Isabel Prieto)

Atual Coordenador do Grupo Português de Ergoftalmologia: 2017 - 2018