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7.2 Militares: Devem fazer Cirurgia Refractiva?

Os excelentes resultados documentados em termos de eficácia, e segurança, das diferentes modalidades de cirurgia refractiva na população geral fazem deste tipo de procedimento uma opção desejada para a correção de ametropias, em particular quando o paciente não deseja usar outros meios de correção óptica, tais como óculos ou lentes de contacto.

Porém, o carácter electivo que habitualmente acompanha este tipo de procedimentos não se coloca quando consideramos certos grupos profissionais, tornando-se quase mandatória em doentes amétropes que desejam ingressar em determinadas funções dentro dos três ramos das Forças Armadas.

A elevada exigência física associada ao processo de formação, e desempenho, da função militar que é comum aos 3 ramos e as especificidades de cada um deles elevam a necessidade de um desempenho visual óptimo, traduzindo-se num quadro legal que descreve requisitos mínimos de acuidade visual não corrigida e com correção (tabelas 1 e 2)1.

A correção de ametropia através de óculos ou lentes de contacto, apesar de visualmente satisfatória, poderá comprometer o correcto desempenho das funções militares: em caso de perda/dano dos óculos ou incompatibilidade com os modernos sistemas de visualização, e no caso de deslocamento da lente de contacto em situações de grande exigência visual ou lesão de córnea por higiene deficiente em cenário de guerra.

Tal preocupação deu inclusivamente origem ao programa de cirurgia refractiva autónomo das Forças Armadas dos Estados Unidos2.

A legislação actualmente em vigor no nosso país não determina limitações específicas à realização de procedimentos refractivos em candidatos às Forças Armadas ou elementos em funções, referindo-se apenas de forma vaga a “sequelas de cirurgias de miopia”, que poderemos interpretar de forma vaga como a eventual presença de um flap corneano ou de uma lente fáquica intraocular.

Aquando da elaboração deste documento, encontra-se em fase de elaboração uma nova legislação que abordará este aspecto de forma mais específica e concreta.

As especificidades da função a desempenhar devem ser consideradas no momento de aconselhar o candidato a cirurgia refractiva, analisando também as vantagens e desvantagens de cada tipo de procedimento, seja ele baseado em cirurgia ablativa de córnea ou implante de lente fáquica intraocular.

A correção visual através de técnicas de ablação corneana pode ser realizada através de cirurgia de superfície, cirurgia convencional com criação de lentículo e, mais recentemente, a ablação intra-estromal tipo SMILE.

A ablação de superfície exige a remoção do epitélio, implica um período de cicatrização e de recuperação da acuidade visual mais longo quando comparado com as outras técnicas3,4.

Este aspecto poderá ser relevante numa situação na qual um candidato a concurso de ingresso nas Forças Armadas tem um prazo curto para se apresentar a provas físicas tendo de cumprir com critério mínimo de acuidade visual sem correção.

Por outro lado, as técnicas de superfície são aquelas que oferecem melhor perfil de segurança se considerarmos o potencial de traumatismo ocular associado a estes indivíduos, bem como um perfil biomecânico mais favorável.

O facto de muitos candidatos serem submetidos à cirurgia em idade muito jovem (entre os 18 e os 22 anos), leva a que a técnica de superfície seja a mais indicada pelo menor impacto biomecânico (prevenção de ectasia corneana secundária), bem como pelo facto de a magnitude da ablação ser bastante inferior, permitindo a possibilidade de re-tratamento.

A cirurgia convencional LASIK seria mais indicada se for necessário uma recuperação visual mais célere ou o tratamento de ametropias mais elevadas (entre -4,00 e -7,00 D).

Um dos inconvenientes associados ao Lasik é a necessidade de criação de um “flap” durante o procedimento. Considerando que o contacto físico intenso inerente à actividade militar é propenso a traumatismos, a deslocação do flap secundário a estes é uma preocupação, uma vez que estão descritos casos mesmo após vários anos do procedimento5.

Como foi referido anteriormente, o impacto biomecânico da criação de um flap em candidatos jovens e a maior profundidade da ablação realizada são dois factores a ter em conta na hora de escolher o procedimento, por forma a contornar o risco de ectasia secundária em corneas biomecânicamente susceptíveis.

Por último, comentamos a utilidade e as indicações do implante de lente intraocular fáquica: é a técnica de eleição para tratamentos de miopias superiores a -6.0 D ou hipermetropias superiores a +4.0D, desde que os critérios biométricos do segmento anterior se cumpram na plenitude.

Permitem ainda o tratamento de ametropias mais baixas que não tenham indicação para a cirurgia de córnea, são reversíveis e oferecem uma qualidade visual (especialmente em situações mesópicas, escotópicas ou de baixo contraste) superior a qualquer técnica de córnea que induza uma grande alteração da curvatura corneana.

A utilização de lente intraocular fáquica de suporte no sulco (Visian ICLTM ,STAAR® Surgical Co., Nidau, Switzerland) para correção de ametropias moderadas/elevadas em pessoal militar foi analisada por Parkhurst, relatando excelentes resultados em termos de eficácia e segurança6.

Numa experiência interessante, Tan e Nah submeteram uma candidata a piloto aviador com implante prévio de lente ICLTM tórica a diferentes magnitudes de força gravitacional (até +9G)7 : foi observada estabilidade rotacional da lente e ausência de dano no cristalino, atestando a segurança deste tipo de lente para o desempenho de pilotos da Força Aérea.

Analisando diferentes técnicas, Parkhurst comparou o desempenho visual após LASIK optimizado por wavefront e lente ICLTM em pessoal militar.

A lente intraocular mostrou melhor desempenho em condições de baixa luminosidade e com óculos de visão nocturna, o que poderá ser relevante em determinados cenários8.

Em resumo, a aplicação de técnicas de cirurgia refractiva em indivíduos jovens candidatos a exercer cargos militares deve cumprir três requisitos major: as indicações gerais para cirurgia refractiva, os requisitos legais descritos em Diário da República e a comunhão entre os dois primeiros e um terceiro, que é a necessidade de escolher a técnica em função da idade jovem do doente, do maior risco de traumatismo bem como de uma eventual e provável progressão do erro refractivos nos anos seguintes à cirurgia.

 

Marinha

Acuidade Visual

Sentido Cromático

Oficiais e praças da classe de fuzileiros

10/10 num olho e 7/10 no outro, devendo atingir com correcção 10/10.

Tricromático.

Oficiais da classe de marinha; práticos da costa do Algarve e faroleiros

10/10 num olho e não inferior a 5/10 no outro, devendo atingir com correcção 10/10.


Correcção máxima: 1 dioptria esférica e 0,75 cilíndrica.

Tricromático.

Oficiais das classes de engenharia naval e de administração naval; sargentos das classes de electrotécnicos e maquinistas navais; praças de todas as classes, excepto fuzileiros e músicos; pessoal da Polícia Marítima, da Polícia dos Estabelecimentos da Marinha e do troço do mar

Não inferior a 4/10 num olho e 2/10 no outro ou 3/10 em ambos, devendo atingir com correcção 10/10 num e, pelo menos, 5/10 no outro.


Correcção máxima: 4 dioptrias esféricas e 1,50 cilíndricas.

Tricromático anormal.

Oficiais das classes de médicos navais, farmacêuticos navais, músicos e serviço técnico; sargentos da classe de enfermeiros e técnicos de diagnóstico e terapêutica; praças da classe de músicos; serviço efectivo normal, mediante convocação ou mobilização e regime de voluntariado ou de contrato.

Não inferior a 1/10 em cada olho, desde que com correcção atinja 10/10 num e, pelo menos, 5/10 no outro.

Dicromático

Tabela 1: Quadro das condições sensoriais gerais em Oftalmologia para o Ramo da Marinha.

 

Exército e Força Aérea

Acuidade Visual

Sentido Cromático

Exército: Tropas Especiais Força Aérea: os
constantes da tabela A, não incluídos em
qualquer das tabelas especiais.

10/10 num olho e não inferior a 7/10 no outro, devendo atingir com correcção 10/10.

Tricromático.

Exército: candidatos à Academia Militar e
Escola de Sargentos do Exército.


Força Aérea: os constantes da tabela B, não
incluídos em qualquer das tabelas especiais.

10/10 num olho e não inferior a 5/10 no outro, devendo atingir com correcção 10/10.


Correcção máxima:
-2,00 dioptrias esféricas e -0,75 cilíndricas;
+3,00 dioptrias esféricas e +0,75 cilíndricas.

 

Tricromático.

Exército: pessoal a quem se aplica a tabela B, excepto serviço efectivo normal e mediante convocação ou mobilização.

Não inferior a 4/10 num olho e 2/10 no outro ou 3/10 em ambos, devendo atingir com correcção 10/10 num e, pelo menos, 5/10 no outro.

Correcção máxima: 4 dioptrias esféricas e 1,50 cilíndricas.

Tricromático anormal.

Exército: serviço efectivo normal e mediante
convocação ou mobilização.

Desde que com correcção atinja 10/10 num olho e pelo menos 5/10 no outro.


Correcção máxima: 6 dioptrias em cada olho ou totalizando 12 nos dois olhos.

Dicromático

Tabela 2: Quadro das condições sensoriais gerais em Oftalmologia para o Ramo do Exército e Força Aérea.

Autore(s)

Serviço de Oftalmologia do Hospital de Braga. Braga Portugal

(Direção de Serviço: Fernando Rebelo Vaz)

Serviço de Oftalmologia do Hospital de Braga. Braga, Portugal

(Direção de Serviço: Fernando Rebelo Vaz)