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8.1 Que Alterações Visuais Ocorrem Durante o Mergulho? Existe Alguma Forma de as Contrariar?

Nos peixes o olho apresenta um cristalino esférico, denso e espesso, com um dos índices refractivos mais elevados de todos os animais e uma córnea quase plana. O cristalino está fixo por um músculo refractor que acomoda empurrando-o para perto da retina permitindo assim, a conversão da energia da luz em estimulos eléctricos na retina. A maioria dos fotoreceptores são bastonetes, existindo poucos cones. A esclerótica apresenta segmentos cartilagíneos que conferem maior rigidez ao globo ocular, auxiliando na manutenção da sua forma.1

Nos humanos, o olho não está adaptado para a visão no meio aquático. A córnea representa 2/3 do poder refractivo do olho quando exposto ao ar. Este poder perde-se quando o ar é substituido por água, pois o índice de refracção da córnea e do humor aquoso são similares ao da água, surgindo as imagens muito desfocadas.2,3

Perdemos aproximadamente 43 dioptrias de poder refractivo quando os olhos ficam imersos em água. Esta perda provoca uma hiperopia acentuada já que o olho passa a ter praticamente apenas os cristalinos para focar.2,3 A acomodação não consegue compensar a perda do poder dióptrico da córnea.

O melhor que os músculos ciliares conseguem é cerca de +16 dioptrias e apenas em crianças muito jovens. Aos 30 anos, o máximo da acomodação do cristalino é de cerca de +10 dioptrias e este valor vai decrescendo com a idade.2,4

Com a utilização de uma máscara de mergulho, o ar da máscara restaura a interface ar/córnea na superfície anterior do olho. Isto elimina a hipermetropia induzida pelo contacto directo com a água e a consequente turvação da visão. Por outro lado, a luz propaga-se no ar a uma velocidade muito maior do que na água.

O índice de refracção água- ar é de 3:4, podendo variar com a densidade da água.

Com a máscara de mergulho a luz ao atravessar a água, a lente e o ar contido na máscara refracta em cada uma destas interfaces, uma vez que cada um destes meios tem uma densidade diferente. Por isso, durante o mergulho o que observamos através da máscara parece estar mais perto e maior. Assim, tudo aparece ampliado na ordem dos 25 a 30% e mais perto do que realmente está cerca de 25 %5 (Figura 1) .

Por exemplo, se um peixe estiver a 4 metros vai parecer estar a 3 metros e 25 % maior em relação ao seu tamanho real.

 

 

Fig. 1 Lápis nas duas interfaces, ar e água.

Com a utilização da máscara de mergulho surge ainda uma significativa redução do campo visual do mergulhador.6

Com uma máscara standard, o campo visual horizontal passa dos cerca de 180º no ar para cerca de 97,2º na água.4

O campo visual vertical também diminui, sendo contudo a diminuição do campo inferior provávelmente a de maior signifcado funcional, uma vez que dificulta a coordenação olhos-mão e consequentemente a visualização do equipamento mergulho (profundimetro, manómetro de pressão, etc.).7

A percepção das cores também muda dentro de água consoante a profundidade. À medida que a luz visível atravessa a água, os diferentes comprimentos de onda da luz são selectivamente absorvidos.7

Os raios de luz com maior comprimento de onda são absorvidos primeiro. Por exemplo, o vermelho desaparece aos 9 metros e o amarelo perto dos 23 metros.

A maiores profundidades estas cores aparecem cinzentas ou negras. A profundidades abaixo dos 30 metros persistem os azuis e verdes.7,8 (Figura 2)

 

 

Fig 2 – Tubarão Martelo fotografado abaixo dos 30 metros.

Este efeito de perda das cores com a profundidade pode ser revertido pela introdução de luz artificial, o que permite fotografar os objectos na sua real cor em profundidade. (Figuras 3 e 4)

 

 

Fig. 3 – Nudibranquio Hexabranchus sanguineus (Bailarina espanhola), com flash.

 

Correcção Refractiva Sub-aquática

Se o mergulhador apresentar um erro refractivo é importante corrigi-lo para permitir a leitura do equipamento de mergulho e para poder apreciar o local do mergulho.

Há várias opções para esta correcção:

 

 

Fig. 4 – .. e sem flash!

1. Lentes de contacto: são preferíveis as hidrófilas, por permitirem as trocas de gases inertes livremente.9-13 Contudo, as lentes rígidas permeáveis ao gás e as rígidas (PMMA) poderão ser usadas desde que os mergulhos não sejam muito profundos. Com este tipo de lentes e em mergulhos profundos, pode surgir um edema de córnea durante a descompressão e após o mergulho.14,15  Estas alterações são causadas pela formação de bolhas de azoto no filme lacrimal precorneano, que interferem com a fisiologia da lágrima resultando num edema epitelial.16 A complicação mais frequente do uso de lentes de contacto no mergulho é a perda das mesmas.6,17 O risco pode ser minimizado assegurando que a máscara veda bem ou estreitando a fenda palpebral para evitar saída da lente, caso a máscara inunde durante o mergulho.17

2. Substituir as lentes neutras da máscara de mergulho por lentes corrigidas com a prescrição desejada.

3. “Colar” as lentes corrigidas na superfície interna da máscara (embora possa ocorrer erosão ou formação de bolhas na substância usada para colar as lentes). (Figura 5)

 

Mergulhar após cirurgia ocular

É possível mergulhar após a maioria das cirurgias oculares. Antes de voltar a mergulhar, deve ser garantido o tempo necessário para total cicatrização dos tecidos.

Os tempos de espera são variáveis entre os diferentes procedimentos cirurgicos, sendo que para a maioria será razoável esperar entre 3 a 6 meses.7,18

Nos casos de cirugia filtrante de glaucoma, em que se cria uma comunicação entre a câmara anterior e o espaço subconjuntival, um barotrauma causado pela máscara pode ter um efeito adverso no funcionamento do mecanismo de filtração e obrigar a um procedimento cirúrgico adicional ou causar um eventual agravamento da lesão glaucomatosa.18

 

 

Fig. 5 – Máscara de mergulho com lentes graduadas na superfície interna.

 

“One Sunday morning in 1936 at Le Mourillon, near Toulun, I waded into the Mediterranean and looked into it through Fernez goggles.

Merely a salty obstacle that burned my eyes.

I was astounded by what I saw in the shallow shingle at Le Mourillon, rocks covered with green, brown and silver forests of algae and fishes unknown to me, swimming in crystalline water.

Standing up to breathe I saw a trolley car, people, electric- light poles.

I put my eyes under again and civilization vanished with one last bow.

I was in a jungle never seen by those who floated on the opaque roof."

Jacques Cousteau

The Silent World

 

 

Autore(s)

Hospital Beatriz Ângelo. Looures, Portugal

(Direção de Serviço: Margarida Miranda)