4.2 Astenopia Digital – Estudo “Konecta”
Introdução
Com a utilização crescente dos diversos dispositivos electrónicos que existem - computadores, tablets, smartphones ou videojogos, a população está sujeita a um maior esforço de visão para perto, com aumento da acomodação e convergência, bem como maior atenção visual com consequente diminuição do pestanejo e queixas de olho seco.
Se esse esforço for grande e/ou mantido (> 2 horas) surge a falência dos mecanismos de adaptação, com exaustão dos músculos oculares (intrínsecos e extrínsecos) e subsequente fadiga visual (astenopia) com incapacidade em realizar as tarefas que se pretendia – Astenopia Digital.
Com este estudo pretende-se avaliar a prevalência de sinais e sintomas de olho seco e fadiga ocular – astenopia digital - numa população de indivíduos que utilizam diariamente o computador para realização de todas as suas tarefas – trabalhadores de empresa de ‘Teleperformance’ - Konecta®.
Pretende-se igualmente avaliar se o aumento do número de horas de utilização de computador está associado a um igual aumento de alterações da superfície ocular, bem como se a implementação de uma mudança de comportamentos e administração de lágrima – Hialuronato Sódio – Hyabak® pode atenuar as mesmas.
Material e Métodos
Estudo que incluiu colaboradores da empresa Konecta®, que utilizam o computador durante todo o horário de trabalho, para realização das suas tarefas de ‘teleperformance’.
Foi feita a avaliação de 77 indivíduos (154 olhos) em 2 dias diferentes separados com 1 mês de intervalo. As duas avaliações foram realizadas de forma semelhante, pelos mesmos investigadores, e pela mesma ordem de chamada.
Avaliação Subjetiva - Foi pedido a todos que preenchessem 2 questionários antes de entrar na sala:
1. Questionário Ocular Surface Disease Index - OSDI®, que avalia queixas relacionadas com alterações da superfície ocular secundárias a olho seco (escala de 0-100%);
2. e Questionário que avalia a Fadiga Ocular (pontuação de 0-16).
A Avaliação Objetiva foi realizada em ambos os olhos, e consistiu em:
1. Teste de Schirmer sem anestésico - Considerando normal se >15 mm em <5 minutos e alterado se <15 mm em >5 minutos;
2. DR-1a Dry Eye Monitor da KOWA® - Avaliação Objetiva do Filme Lacrimal com este aparelho, que permite a observação do filme lacrimal através de um fenómeno de interferência óptica e classifica o teste de rotura lacrimal de uma forma não invasiva BUT (NI BUT) - classificação BUT de 1 a 4, em que 1 significa existência de bom filme lacrimal, e 4 significa mau filme lacrimal;
3. Biomicroscopia, com avaliação de hiperémia (presente ou ausente), BUT (normal se >10 segundos; alterado se <10 segundos), presença de queratite e lesões na conjuntiva (avaliado segundo a escala de Oxford, de 0 a 5, em que 0 é sem alterações e 5 com muitas alterações);
4. Acomodação e convergência (ponto próximo de acomodação, medido com régua de RAF, normal ou alterado para a idade de acordo com escala da régua; ponto próximo de convergência, medido em cm com régua de RAF, normal se <10cm, alterado se >10cm).
Os indivíduos foram depois da primeira avaliação divididos em 2 grupos: grupo A (primeiras 34 observações, com <2 horas ao computador) e grupo B (restantes 43 observações, com >2 horas ao computador), tendo sido entregue a estes últimos uma folha com medidas ambientais para redução das queixas (regulação da humidade ambiente, iluminação, posicionamento 39 4.2 do ecrã, realização de pausas durante a atividade ao computador/restantes dispositivos – regra 20/20/20) e medidas terapêuticas para diminuição do olho seco, com recomendação de uso de lágrima artificial (Hyabak®) sempre que tivessem queixa.
Resultados
Foram observados 77 indivíduos (154 olhos), 59 do sexo feminino (77%) e 18 do sexo masculino (23%), com mediana de idades de 34 anos.
Mais de metade (58%) dos indivíduos usam óculos, 12% usam lentes de contacto mensais.
Na 1a avaliação a mediana do Score OSDI é 29 e do Score de fadiga ocular é de 7.
Apenas 8% dos indivíduos tinham alterações no teste Schirmer, 25% tinham alterações no BUT e 18% tinham hiperémia. 44% tinham alterações do PPA e 12% tinham alterações do PPC.
Na 1ª avaliação registou-se uma diferença estatisticamente significativa na maioria dos parâmetros avaliados no período da tarde (grupo B) em relação ao período da manhã (grupo A) – filme lacrimal (p=0.032), hiperémia (p<0.001), BUT (p<0.001), queratite (p<0.001), lesão conjuntival (p=0.002) e PPA (p<0.001), não havendo diferença estatisticamente significativa no teste de Schirmer (p=0.303), PPC (p=0.570) e nos scores OSDI (p=0.440) e de fadiga ocular (p=0.567 ).
Na 2ª avaliação não houve diferenças estatisticamente significativas em nenhum dos parâmetros nos indivíduos que não fizeram medidas terapêuticas ao fim de 1 mês (grupo A).
Nos indivíduos aos quais foram dadas medidas terapêuticas (grupo B), observa-se uma diminuição na maioria dos parâmetros ao fim de 1 mês – teste de Shirmer (p=0.005), filme lacrimal (p=0.022), queratite (p<0.001), lesão conjuntival (p=0.005), PPC (p=0.001) e score de fadiga (p<0.001).
Não se verificam porém alterações estatisticamente significativas no PPA (p=0.106) e na hiperémia (p=0.265) nem no score OSDI (p=0.492).
Discussão e Conclusões
Da avaliação, logo no primeiro dia, e ao compararmos a avaliação objetiva entre o grupo da manhã (início de trabalho e pouca utilização de computador < 2 horas) vs. o grupo da tarde (que já trabalhava por um período superior a 2 horas) verificou-se que existiam mais sinais de olho seco e fadiga ocular neste segundo o que provavelmente reflete a influência do tempo de utilização do computador.
Logo quanto mais tempo estivermos ao computador mais queixas e manifestações teremos.
A diminuição das queixas e melhores resultados na avaliação objetiva, ao fim de 1 mês, no Grupo B, em que se interviu - medidas ambientais, pausas e utilização de lubrificantes - demonstra a importância das mesmas na prevenção e tratamento deste síndrome.
Conclui-se assim que quanto maior o tempo de uso de dispositivos electrónicos (>2horas) – neste caso computadores – maior o número de queixas, de alterações de fadiga e alterações da superfície ocular, e que se forem implementadas um conjunto de modificações ambientais e sobretudo pausas curtas mas periódicas, consegue- se atenuar ou mesmo fazer desaparecer o incómodo causado por utilização prolongada destes dispositivos, podendo realizar as mesmas tarefas no mesmo período de tempo, sem sintomas e com melhor performance.
Agradecimentos:
À empresa de ‘teleperformance’ Konecta® , em particular o seu diretor geral em Portugal Dr. Maldonado, pela disponibilidade e amabilidade em nos deixar realizar este estudo nas suas instalações do Restelo, mas sobretudo pela coragem de permitir avaliar os seus colaboradores.
Como sempre nos disse ‘é importante perceber se há algum problema para podemos melhorar as nossas condições de trabalho’.
Atitude louvável, de preocupação com seus colaboradores e muito construtiva.
Aos laboratórios Théa, e em particular ao seu diretor João Caldas, por todo o seu entusiasmo, esforço e empenho para que o estudo pudesse ir para a frente apesar de alguns contratempos, e por nos ter proporcionado o apoio logístico que necessitávamos para que fosse possível realizar este projeto.
E por último, mas não menos importante, à Empresa J. Cotta® por nos ter cedido, sem qualquer custo, a lâmpada de fenda e o DR-1a Dry Eye Monitor da KOWA®.
Quando os contatamos para alugar os mesmos, fizemo-lo por serem uma empresa de referência em equipamentos oftalmológicos, mas ficamos muito agradados por serem muito mais do que isso – uma empresa que apoia Oftalmologistas.
A todos os meus sinceros agradecimentos
Fernando Trancoso Vaz