7.1 Candidatos a Piloto Militar - Quais São os Requisitos e Porquê?
A Ergofalmologia, como área da ciência que se dedica ao estudo da relação entre o trabalho e a visão, depara- se frequentemente com os problemas relacionados com a exposição de determinadas populações a ambientes hostis e potencialmente dificultadores da função visual.
Poderemos enumerar vários tipos de ambientes a que (alguns) seres humanos podem estar expostos e que podemos considerar hostis.
Um dos mais hostis, seguramente, será o interior das cabinas das aeronaves, especialmente o das aeronaves militares.
O ambiente a bordo dos aviões reúne uma série de particularidades que têm grande influencia na fisiologia em geral e, em particular, na fisiologia da visão.
Por outro lado, as habitações e os locais de trabalho mais comuns, pelo menos teoricamente, poderão ser alvo de concepção e de adaptação que procure respeitar o melhor possível a fisiologia de quem os ocupa.
Acontece que o interior das aeronaves militares, pelas suas características especificas, está limitado na possibilidade dessa mesma adaptação.
Vários factores ambientais a que as tripulações das aeronaves são expostas podem influenciar a fisiologia da visão contribuindo potencialmente para a degradação da função visual:
A hipoxia: a baixa concentração relativa do oxigénio do interior das cabinas dos aviões induz hipoxia que limita a função visual.
A visão é o primeiro sentido a ser alterado pela baixa da concentração do oxigénio nos tecidos.
Estão descritas alterações funcionais da visão e alterações orgânicas ao nível da retina, cuja severidade cresce com a altitude relativa e que vão desde discretas alterações da visão nocturna em altitudes da dita Zona Fisiológica (0-3.000 metros), a alterações da acomodação e descompensação de forias em altitudes dos 3 aos 5.000m (Zona de Adaptação), instalação de diplopia e visão tubular em altitudes de entre os 5 e os 8.000 m e até mesmo danos irreversíveis na retina na dita Zona de Altitude Letal (acima dos 8.000 m).
É por isso que a hipoxia induzida por um incidente com descompressão de uma cabina de uma aeronave que voe a 35.000 pés (cerca de 10.000 m) - altitude de cruzeiro de muitos voos comerciais - permite um tempo de reacção individual (Tempo de Consciência Útil) de apenas 30 a 60 segundos.
A humidade: a humidade relativa das cabinas pressurizadas é caracteristicamente muito reduzida (cerca de 20%), o que influencia a performance visual, quer indirectamente pela desidratação que induz, que directamente ao contribuir para a secura da superfície ocular induzindo olho seco.
A velocidade: o sistema visual humano foi concebido para funcionar a baixas velocidades de deslocação. Mas as aeronaves deslocam-se a velocidades elevadas, o que, naturalmente, exige maior performance visual e mais rápida velocidade de reacção aos estímulos visuais.
Como exemplo, podemos referir que se um piloto voar no interior do cockpit de um avião de caça a 1.000 km/h, no tempo que medeia desde o momento em que ele detecta outra aeronave no seu campo visual periférico, a retina integra esse estimulo, o transmite ao sistema nervoso central e o piloto toma consciência desse estimulo, ele próprio já se deslocou cerca de 300 metros e terá viajado cerca de 1 quilómetro até poder tomar a decisão de desviar a sua rota de modo a poder evitar uma possível colisão.
A Aceleração: um piloto a bordo de uma aeronave que efectue manobras com aceleração positivas (forças G positivas), induz alterações circulatórias com diminuição do retorno venoso e consequente diminuição do volume sistólico e débito cardíaco com a consequente baixa da pressão arterial.
No olho, quando a pressão de perfusão no interior da artéria oftálmica se torna inferior à pressão intraocular, o débito arterial no interior do globo desce e o piloto pode experimentar perda súbita da visão periférica 85 7.1 que, se sujeito a acelerações maiores, poderá induzir o fenómeno de perda súbita de visão conhecido por black- out, tão temido pelos pilotos de caça.
É devido aos efeitos violentos da aceleração sobre o sistema circulatório que os pilotos dos modernos aviões de alta performance usam sistemas activos de compressão dos membros inferiores e do abdómen (“fatos anti-G”) que, ao serem automaticamente insuflados de acordo com as forças de aceleração a que o piloto está sujeito em cada momento, permitem melhorar o retorno venoso para o coração contrariando momentaneamente as efeitos das forças de aceleração.
A Altitude: o ambiente visual nas altitudes elevadas do voo também altera a fisiologia da visão.
Por um lado verifica-se uma inversão da normal distribuição da luminosidade, pois voando acima das nuvens, estas reflectem a luz solar, que se torna mais brilhante na parte inferior do campo visual, inversamente ao que acontece normalmente ao nível do solo.
Também a ausência de referencias visuais no horizonte dos tripulantes em altitude pode induzir acomodação suplementar provocando um fenómeno potencialmente perturbador ( “Miopia Espacial”).
A Vibração: a vibração sentida no interior das aeronaves, nomeadamente nos helicópteros, dificulta a visão, sobretudo a de frequência superior a 15 Hz.
A Iluminação: em muitas situações os pilotos desempenham missões nocturnas prolongadas sujeitando-se às dificuldades relacionadas com o trabalho visual em ambientes com baixa luminosidade, o que pode induzir alterações da profundidade de campo relacionadas com a midríase induzida.
Outro exemplo de influência da luz a bordo das aeronaves, é o Flicker Vertigo: descrito por tripulantes de helicóptero, consiste em náuseas, vertigem ou mesmo convulsões desencadeados por estímulos luminosos de determinadas frequências (geralmente devidos à luz do sol interceptada em certas frequências pelas pás do rotor da aeronave).
A Fadiga: as missões operacionais, tantas vezes implicando voos com muitas horas de duração em condições limite, provocam estados de fadiga com efeitos sobre as funções visuais como alterações da esteropsia relacionáveis com descompensação de forias latentes.
Cerca de 80% das aferências sensoriais que permitem ao piloto-aviador controlar a aeronave são adquiridas visualmente. Do piloto (militar) espera-se que possua adequada:
- Visão de longe, que lhe permita a identificação dos obstáculos e objectos no exterior da aeronave;
- Visão de perto, que lhe permita a leitura dos mapas e outra documentação de bordo;
- Visão de intermédio, que lhe permita ler os instrumentos da aeronave;
- Estereoscopia, sem a qual terá dificuldades em calcular as distâncias nas aterragens ou a em manter as distâncias para outras aeronaves quando voa em formação;
- Visão cromática, que lhe permita a correcta e rápida identificação de luzes de aviso e leitura de displays no cockpit, bem como a adequada leitura de mapas coloridos e identificação segura das luzes no solo dos aeródromos ou a correcta identificação de alvos.
Espera-se igualmente que possua eficiente visão em todas as condições de luminosidade, nomeadamente boa visão nocturna, uma vez que cada vez mais as missões militares operacionais são efectuadas durante a noite.
A visão dos pilotos é ainda dificultada pelas interacções com dispositivos ópticos com interferência possível na visão, como os vidros das canopies dos aviões, viseiras dos capacetes, óculos de protecção contra dispositivos laser ou dispositivos electrónicos de visão nocturna.
Além do mais, ao piloto exige-se que possa operar em todas as condições meteorológicas possíveis.
Uma das particularidades da aeronáutica, tanto civil como militar, é a constante preocupação com as questões da segurança.
Compreender-se-á, assim, que se exija ao piloto e, nomeadamente ao jovem candidato a piloto militar em fase de recrutamento, um sistema visual sem falhas ou limitações.
Assim, os testes médicos de avaliação dos jovens candidatos a cadete piloto-aviador na Força Aérea Portuguesa, compreendem um extenso leque de exames de avaliação que incluem a colheita da historia clínica completa, exame oftalmológico extenso e estudo do equilíbrio oculomotor , estudo da visão cromática (incluindo teste de Ishihara e Farnsworth 100), perimetria estática computorizada, topografia corneana, refracção em cicloplegia, fundoscopia em midríase, tomografia de coerência óptica do segmento anterior e estudo da sensibilidade ao contraste.
Os critérios de inaptidão para a especialidade de piloto-aviador 86 actualmente em vigor são definidos pela legislação eminente do Ministério da Defesa Nacional (Decreto-Lei 291/99, de 3 de Agosto e Portarias 790/99 de 7 de Setembro, 1157/2000 de 7 de Dezembro e 709/73 de 17 de Outubro).
No quadro seguinte, resumem-se os principais critérios de inaptidão para candidatos a piloto-aviador da Força Aérea contidos na referida legislação:
Acuidade Visual para Longe: |
Cirurgia Refractiva Prévia |
Refracção em Cicloplegia: |
Senso Cromático: |
Equilíbrio Oculomotor: |
Visão Estereoscópica Imperfeita |
Se é verdade que, à data da sua publicação, os critérios de inaptidão eram paralelos aos aplicados pela generalidade das forças aéreas, outros países foram ao longo do tempo adoptando critérios menos restritos, nomeadamente fruto da necessidade histórica de alargar a base de recrutamento de futuros pilotos.
Nesse sentido a Força Aérea americana, por exemplo, possui cirurgiões refractivos em centros cirúrgicos por si reconhecidos e admite a possibilidade de recrutar candidatos a pilotos que possam já ter sido submetidos a cirurgia refractiva, desde que dentro de determinados critérios.