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8.2 A Luz Solar é Prejudicial ao Olho, no Contexto da Prática de Desportos Náuticos?

Porque é que a luz solar é prejudicial para o olho?

A radiação ultravioleta (UV) é a principal responsável pelas lesões oculares causadas por energia radiante. De toda a energia proveniente da luz solar, menos de 10% é radiação UV.

A radiação UV é invisível ao olho humano e pode ser subdividida em três tipos: UV-A (400-320 nm), UV-B (320- 280 nm) e UV-C (280-220 nm)1.

A camada de ozono absorve parte da radiação UV emitida pelo sol, absorvendo os menores comprimentos de onda de forma mais eficaz (UV-C). Assim, a radiação UV que chega à superfície terrestre é composta por cerca de 95% de UV-A e 5% de UV-B2.

A maior parte da radiação UV que chega aos nossos olhos é absorvida pelas estruturas mais anteriores do olho, nomeadamente pela córnea. Isto impede que a luz UV atinja as estruturas posteriores do olho, nomeadamente a retina, que é extremamente fotossensível.

Vários estudos, bem como a experiência clínica, sugerem que a UV-B é a mais prejudicial, provavelmente por ter maior nível de energia3.

A UV-B é na grande maioria absorvida pela córnea e em menor percentagem pelo cristalino, podendo causar lesão destes tecidos, mas raramente atinge o segmento posterior.

A UV-A tem menor energia e logo, penetra mais profundamente, podendo também causar lesões oculares3.

 

A luz refletida pelo mar e outras superfícies é ainda mais prejudicial?

Tal como a luz visível, também a luz UV é refletida, e numa percentagem variável consoante a superfície refletora: a neve pode refletir cerca de 80 a 94% de radiação UV-B, já a espuma do mar reflete 25%, a areia branca da praia cerca de 15% e a água do mar reflete entre 5 a 8%.

O que acontece em ambientes com estas superfícies é que, para além da radiação UV incidente, soma-se a radiação UV refletida, potenciando desta forma a exposição à radiação UV total.

Quanto maior for a proximidade á superfície refletora, maior será a exposição dos nossos olhos à radiação refletida.

Podemos concluir então que, embora a radiação solar direta seja por si só prejudicial aos olhos, os raios UV refletidos podem ser ainda mais nocivos, até porque mais frequentemente olhamos para baixo e em nosso redor (exposição a radiação refletida) do que para cima em direção ao sol (exposição a radiação direta)4,5.

 

Quem é mais vulnerável?

As pessoas mais vulneráveis aos efeitos nocivos da radiação UV são os indivíduos mais expostos (praticantes de atividades ao ar livre, nomeadamente desportos aquáticos e na neve), os indivíduos mais idosos (cujos mecanismos fotoprotetores possam estar diminuídos), as pessoas com fotótipos menos pigmentados (íris mais claras), situações de afaquia e os utilizadores de medicamentos fotossensibilizantes (como fenotiazidas, psoralenos, alopurinol, tetraciclinas e hematoporfirinas)1.

Os níveis de exposição a radiação são mais elevados nos meses de Verão, em zonas próximas ao equador e zonas de maior altitude5.

 

Que lesões podem surgir nos meus olhos quando estou muito tempo no mar?

Como vimos anteriormente, os indivíduos que passam muito tempo no mar (nomeadamente os praticantes de desportos aquáticos), estão muito expostos à radiação UV.

Várias patologias oculares podem ser causadas ou agravadas pela exposição a radiação UV, sobretudo pelos comprimentos de onda UV-B.

A exposição aguda a elevados níveis de radiação UV, no contexto da prática de desportos aquáticos (surf, vela, kyte, etc) induz uma lesão fotoquímica temporária nas células queráticas, designada por fotoqueratite2 , também conhecida como queimadura corneana.

Os sintomas surgem apenas algumas horas após a exposição, com lacrimejo, sensação de corpo estranho, visão enevoada, dor e intensa fotofobia, apresentado à observação hiperémia conjuntival e queratite ponteada4 (Fig. 1).

O tratamento inclui oclusão ocular com pomada oftálmica (com antibiótico) por um período mínimo de 24 horas.

A exposição crónica à radiação UV é clinica e epidemiologicamente mais relevante que a exposição aguda.

A córnea absorve a maioria da radiação UV direta e oblíqua.

A radiação UV-B induz lesões por stress oxidativo nas células epiteliais da córnea2.

A pinguécula (Fig. 3) é semelhante ao pterigium, mas não atinge a córnea.

Geralmente é assintomática, contudo pode inflamar e adquirir uma coloração avermelhada1 .

 

 

Fig. 1: Queratite ponteada, fotografia à lâmpada de fenda, com fluoresceína.

 

O pterigium (Fig. 2), é um crescimento benigno e degenerativo de tecido fibrovascular na córnea e conjuntiva1,6.

Ocorre mais frequentemente do lado nasal, facto que pode ser explicado pela incidência de raios oblíquos preferencialmente nessa região do globo ocular2.

Os sintomas podem ser de irritação e sensação de corpo estranho, e em estadios mais avançados podem interferir com a visão ao induzir astigmatismo e até mesmo causar restrição dos movimentos oculares.

O tratamento pode ser médico (incluindo lubrificantes e esteroides tópicos em caso de inflamação) e/ou cirúrgico1,6.

 

 

Fig. 2: Pterigium nasal do olho direito, fotografia à lâmpada de fenda.

A pinguécula (Fig. 3) é semelhante ao pterigium, mas não atinge a córnea. Geralmente é assintomática, contudo pode inflamar e adquirir uma coloração avermelhada1.

 

 

Fig. 3: Pinguécula nasal do olho direito, fotografia à lâmpada de fenda.

A exposição cumulativa à radiação UV também é apontada como um factor de risco para o desenvolvimento de neoplasias escamosas da superfície ocular, em indivíduos que provavelmente já apresentam alguma vulnerabilidade7.

Este grupo inclui várias entidades que se caracterizam pelo crescimento anormal de células escamosas epiteliais displásicas na superfície ocular.

A apresentação é variável, mas mais tipicamente o doente apresenta uma lesão gelatinosa ou em placa, branca/ acinzentada, da conjuntiva interpalpebral.

O tratamento pode ser médico ou cirúrgico, dependendo da duração, recorrência ou tratamento prévios7. Além das lesões acima descritas, a exposição excessiva a radiação ultravioleta aumenta também a frequência de tumores da pele da região palpebral, acelera o desenvolvimento de catarata (nomeadamente o tipo cortical) e o risco de degenerescência macular relacionada com a idade1,2,4.

 

O que posso fazer para prevenir as lesões causadas peal radiação UV?

A melhor forma de prevenir estas lesões é utilizar um filtro para a radiação ultravioleta, que pode ser incorporado em óculos e lentes de contacto.

Como já foi referido, a radiação UV atinge o olho não só pela incidência direta, mas também pelos raios reflectidos nas superfícies à nossa volta.

As lentes de contacto hidrófilas com filtro UV protegem a córnea e células límbicas, e pela sua proximidade ao globo ocular, protegem mais eficazmente a penetração de raios UV (nomeadamente os oblíquos),  mas não protegem as áreas adjacentes como as pálpebras e pele da região periocular.

Já os óculos proporcionam uma maior área de cobertura, mas podem deixar penetrar alguns raios reflectidos lateralmente, pelo que para maior proteção devem ser escolhidos modelos com hastes mais largas.

Ao utilizar óculos com lentes escuras deve ser assegurado um filtro UV completo e eficaz, uma vez que nestas circunstâncias a pupila dilata e permite uma maior entrada de luz e radiação nociva que não tenha sido bloqueada.

A utilização de lentes capazes de filtrar entre 99 a 100% da radiação UV (UV-A e UV-B) é de extrema importância2,3 .

A utilização de um chapéu com abas largas ou boné pode bloquear adicionalmente cerca de 50% da radiação UV que atinge o olho e reduz a entrada de raios pelas laterais dos óculos3.

Além dos filtros incorporados em lentes, existe uma molécula com atividade comprovada de filtro UV-B, o actinoquinol.

Existem lágrimas artificiais que incorporam esta molécula e que podem oferecer lubrificação com uma proteção UV-B adicional8. A prevenção pode ainda passar por uma melhoria da resposta à lesão do nosso organismo.

O sistema de defesa antioxidante, do cristalino e retina, inclui as vitaminas C e E, a luteína e o zinco.

Uma alimentação rica nestes nutrientes pode aumentar as nossas defesas e capacidade de resposta a lesões por energia radiante, sendo os suplementos comprovadamente benéficos na degenerescência macular relacionada à idade (DMI)9.

Os ácidos gordos omega-3 também demonstraram efeito benéfico na DMI, e olho seco9.

 

E quanto ao trauma ocular, é frequente em desportos aquáticos?

O trauma ocular durante a prática de desportos é uma causa importante de perda de visão.

Os desportos aquáticos, nomeadamente aqueles com utilização de prancha (ex: surf e bodyboard), têm um risco bem documentado de trauma facial e ocular, potencialmente grave e incapacitante10.

Todas as partes da prancha podem causar lesão, mas os casos mais graves associam-se ao “nose” da prancha (porção pontiaguda na parte da frente), que pelo seu formato pontiagudo consegue penetrar o rebordo ósseo orbitário, transmitindo grandes níveis de energia ao globo ocular. O “leash” (segmento de corda que liga a prancha ao surfista), que permite ao surfista manter a prancha perto e evitar a lesão de outros surfistas, contribui também para o mecanismo de trauma ao manter a prancha muito próxima na altura do impacto.

O traumatismo resultante pode variar em gravidade, mas casos graves com ruptura do globlo ocular e lesões importantes do segmento posterior estão descritos e apresentam mau prognóstico visual11.

 

Há alguma forma de prevenir o trauma ocular?

A melhor forma de prevenir o traumatismo ocular será pela utilização de uma proteção ocular10,11.

Existem disponíveis óculos adequados a desportos aquáticos, que são desenhados para flutuar, cobrir toda a área periocular, resistir ao impacto, incorporando também proteção para raios UV e eventual correção óptica.

Contudo, a percentagem de praticantes destes desportos, nomeadamente os surfistas, que adere à utilização deste tipo de proteção é muito baixa.

 Outras formas de prevenção têm sido discutidas, nomeadamente pela alteração do formato das pranchas e/ou comprimento do “leash”11.

 

Autore(s)

Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E.. Setúbal, Portugal

(Direção de Serviço: David Martins)

Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E.. Setúbal, Portugal

(Direção de Serviço: David Martins)

Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E.. Setúbal, Portugal

(Direção David Martins)