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4.4 Precisamos de Filtros nos Ecrãs dos Computadores?

A prevenção e o tratamento da Síndrome de Fadiga Ocular para Dispositivos Eletrónicos ou Astenopia Digital (AD) implicam uma abordagem ergoftalmológica devido aos vários fatores que envolvem esta síndrome, incluindo proteção ocular e a adequação do ambiente de trabalho.

Nos fatores ambientais há que distinguir a iluminação do ambiente, que quando incorreta ocasiona glare e reflexos indiretos no ecrã do computador, e as próprias caraterísticas dos ecrãs do computador, que ocasionam iluminação com glare, reflexos diretos e cintilação (flicker) bem como uma maior fadiga visual, consoante o tipo de ecrã e a emissão de radiação.1

Consoante o impacto destes fatores no utilizador de computadores, pode ser equacionado o uso de filtros de ecrãs.

O equilíbrio entre a luz do ecrã do computador e a luz do ambiente é um fator fundamental a ser considerado na adequação do ambiente de trabalho, dado que uma distribuição errada de iluminância no campo visual pode originar brilho e provocar fadiga ocular.1-3

Filtros anti- reflexo e anti-glare nos ecrãs demonstraram reduzir o brilho e melhorar o contraste do ecrã, representando uma forma eficaz para eliminar reflexos e dessa forma melhorar o conforto visual.1,2,4,5

Porém, alguns estudos indicaram que esses filtros não reduzem significativamente os sintomas de astenopia, sendo controverso o uso como solução efetiva para o tratamento da AD e devendo o seu uso ser integrado no contexto de outros fatores que contribuem para a AD como uma alteração da acomodação e a secura ocular.1,2,5

Segundo a maioria dos autores, o seu papel apresenta um maior impacto em pessoas com maior sensibilidade ao glare e reflexos e cujo alívio dos sintomas foi insuficiente com outras medidas ergonómicas de controlo da iluminação do ambiente envolvente (como o controlo da luz natural através do uso de persianas nas janelas, por exemplo e, as fontes de luz na proximidade).2

Assim, este tipo de filtro tem importância como um complemento de outras medidas ergoftalmológicas.3,4

Como referido anteriormente, o tipo de ecrã é igualmente um fator a considerar, destacando-se dois grupos principais: os ecrãs de tubo catódico (CRT, Cathode Ray Tube), que integram a maioria dos computadores fixos mais antigos e que são monitores volumosos, pesados e com elevado consumo elétrico e, os ecrãs planos (LCD, Liquid Crystal Display) da totalidade dos computadores portáteis, smartphones, câmaras digitais e da maioria dos computadores fixos mais recentes e que usam menores quantidades de energia elétrica.

Os ecrãs de CRT são considerados menos seguros devido à maior quantidade de energia elétrica usada e constituem o tipo de ecrã mais frequentemente associado à AD:

- Nos ecrãs de CRT a imagem produzida envolve uma série de processos, incluindo a frente do tubo que é digitalizado para baixo num padrão de linhas, “varredura” da imagem na tela, uma bobina de geração de campo magnético, entre outros.
Cada ponto da área visual é individualmente iluminado, isto é, a luz e a formação da imagem estão diretamente ligadas e a maior frequência da AD associa-se à baixa taxa de atualização da imagem na tela, causando um efeito chamado flickering.
A taxa de atualização da tela representa o número de vezes por minuto (medida em frequência, Hz) que o ecrã é repintado para produzir uma imagem.O efeito de flickering consiste numa oscilação quase impercetível, mas que causa rapidamente fadiga ocular durante a fixação visual de uma imagem no ecrã.
Assim, o aumento da taxa de atualização do ecrã pode contribuir para a redução dos sintomas da AD, sendo recomendável um mínimo de 75 Hz de atualização.
Este limite é apoiado pelas evidências de Berman et al com base nas respostas do eletrorretinograma humano (ERG), ocorrendo uma resposta síncrona do ERG a partir de um estímulo com valor superior ao referido.5,6

- Nos ecrãs de LCD a imagem é formada diretamente na tela, sem a necessidade de um tubo, traduzindo-se por isso em telas finas e planas.
Estas são preenchidas com cristais líquidos, que são iluminados por uma luz de fundo ou refletor.
A iluminação ocorre através de uma lâmpada fluorescente especial, espalhando a luminosidade pelo ecrã.A taxa de atualização desta lâmpada em geral ronda os 200 Hz, minimizando o efeito de flickering, logo a frequência da AD. 5,6 Ziefle publicou um estudo que compara os ecrãs de CRT com os de LCD relativamente ao tempo de pesquisa (em milissegundos por linha), ao tempo de fixação (o tempo que os olhos precisam para extrair informação) e à frequência de fixação (o número de fixações para cada linha).
Os ecrãs de LCD demonstraram ser superiores relativamente aos três parâmetros em estudo, constituindo um importante avanço na tecnologia dos ecrãs, otimizando a produtividade do trabalho e minimizando o esforço visual.5,7

Por outro lado, nos últimos anos verificou-se um aumento do uso da tecnologia LED (Light Emitting Diodes).
Esta consiste num dos tipos de radiação de alta energia do espectro da luz visível (380 a 530 nm) e está atualmente a substituir a iluminação convencional, estando a ser largamente usada em dispositivos de emissão de luz como as lâmpadas de luz dos interiores e nos ecrãs mais recentes de televisão, de computadores e da maioria dos smartphones.
O uso exponencial deste tipo de tecnologia prende-se com as diretivas europeias do Eco- design of Energy Using Produtcs (2005/32/CE), o qual recomenda a substituição das lâmpadas incandescentes por dispositivos mais económicos como os LEDs, com o objetivo de poupar energia.8-10
Porém, o uso de tecnologia LED tem sido alvo de alguns estudos mais recentes que abordam eventuais efeitos nocivos para a saúde, nomeadamente os seguintes:

- Possível associação do componente azul da luz branca LED com a toxicidade retiniana (envolvimento na patogénese da degeneração macular ligada à idade e da retinite pigmentosa, tendo como base mecanismos de stress oxidativo e de inflamação despoletados pela emissão deste tipo de radiação).
Este tipo de efeito poderá ter um maior impacto perante uma maior duração de exposição aos ecrãs (alguns estudos referem a partir de 6 a 9h de exposição) e perante uma menor distância aos mesmos.
Até ao presente, ainda só foram realizados estudos laboratoriais em modelos animais, sendo que a continuação da investigação poderá contribuir para um melhor esclarecimento deste efeito.8-10

- Possível associação a um novo aumento da exposição ao efeito de flickering, com aumento do risco de AD perante uma maior duração de exposição aos ecrãs.
O componente de radiação azul poderá ter um papel neste efeito.8-10

A questão do impacto na saúde da radiação emitida pelos ecrãs é considerada pela maioria dos estudos que abordam o tipo de radiação emitida, a sua quantificação e os seus efeitos nocivos.

Os ecrãs incluem vários tipos de radiação: radiação X (raios X), radiação ótica, radiação de radiofrequência, radiação de frequência muito baixa e radiação de frequência extremamente baixa. 5

Portanto, não ocorre emissão de radiação alfa, beta ou gama, e a emissão de raios X ocorre em níveis baixos e é praticamente toda contida pelo ecrã.5

Vários estudos relativos à emissão de radiação ultravioleta A e B (UVA e UVB) concluíram que os ecrãs dos dispositivos eletrónicos comumente usados não transmitem radiação ultravioleta que coloque em risco a saúde, destacando a ausência de emissão de UVA – 320-400 nm – e, alguns estudos que detetaram a emissão de UVB, referem a sua emissão no espetro dos 280 nm (não no espetro de 290-320 nm).5,11

Um dos efeitos na saúde mais estudados tem sido o impacto na gravidez da emissão da radiação dos ecrãs, sendo que a maioria dos estudos mais recentes demonstra não existir um risco aumentado de aborto espontâneo.12,13

Relativamente aos efeitos nocivos no geral, vários estudos têm demonstrado não existir evidência que suporte uma exposição nociva para a saúde ou uma exposição a campos de radiação elétrica, magnética ou ionizante em níveis superiores aos níveis ambientais.5,11,14

O uso de filtros de ecrãs neste contexto como forma de reduzir o campo elétrico no redor do computador não está claramente estabelecido: segundo o estudo de Oftedal et al, o seu uso não revelou uma redução significativa da gravidade dos sintomas visuais e, segundo a revisão da literatura de Kirsner and Federman, os dados existentes são inconsistentes ou com algumas falhas metodológicas, destacando por isso a necessidade da continuação da pesquisa nesta área.14,15

Entre os temas mais recentes na atualidade relativamente a este assunto, destaca-se o papel da radiação de luz azul, a radiação mais potente do espectro da luz visível (380- 500nm).

Tem sido alvo de vários estudos de investigação, não estando ainda claramente definido o seu impacto na saúde. Os principais efeitos estudados incluem sintomas compatíveis com a AD, lesão retiniana como referido anteriormente, cefaleias, insónias e depressão.

 

 

Fig. 1 – Comparação da emissão de radiação de luz azul entre aparelhos.16

A preocupação relativamente ao seu efeito na saúde prende- se com o aumento progressivo do uso, na atualidade, de dispositivos que possuem maior emissão de radiação de luz azul, nomeadamente ecrãs de televisão e de computador com luz LED, quase todos os ecrãs de smartphones, assim como lâmpadas de luz LED.

Neste contexto, alguns autores sugerem o uso de filtros de luz azul para os ecrãs, uso de óculos com filtro para a luz azul nociva e/ou a instalação de softwares especificamente desenhados para regular a quantidade de luz azul a que o utilizador de computador é exposto ao longo do dia (com especial impacto no ritmo circadiano de modo a minimizar a ocorrência de insónias).

A opção pelo uso destes instrumentos parece ser mais relevante em pessoas que usem computadores, entre outros dos dispositivos referidos, de modo frequente e duradouro e/ou que apresentem maior sensibilidade à radiação de luz azul.16-18

Concluindo... Precisamos de filtros nos ecrãs dos computadores?

A necessidade do uso de filtros ocorre segundo uma abordagem multidisciplinar e individualizada da AD.

O uso generalizado de filtros nos ecrãs não está claramente estabelecido, pois por um lado existe alguma controvérsia entre estudos e por outro lado alguns tipos de filtros ainda são recentes, como é o caso dos filtros da luz azul.

São necessários mais estudos sobre os efeitos e as caraterísticas específicas dos diferentes tipos de filtros, sendo recomendável uma abordagem individual e o seu uso como um complemento de outras medidas ergoftalmológicas.

Autore(s)

Serviço Oftalmologia do Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca E.P.E.. Amadora,Portugal

(Direção de Serviço: Isabel Prieto)

Serviço Oftalmologia Hospital Cruz Vermelha

(Direção de Serviço: António Melo)