4.6 Quais as Melhores Estratégias para um Presbita?
A presbiopia, resultado da diminuição gradual da capacidade de acomodação com a idade, é o erro refrativo mais comum, afetando quase 2 biliões de pessoas.1
Tendo em conta o progressivo envelhecimento da população, a importância do trabalho de perto e a distâncias intermédias em todas as sociedades industrializadas, é fácil perceber o grande impacto clínico e social da presbiopia.
Os novos presbitas, ainda em plena vida laboral e social ativa, aceitam com crescente dificuldade as limitações impostas pelo natural mas inexorável envelhecimento, procurando no oftalmologista uma solução fácil para o problema.
A solução contudo, nem sempre é simples e requer uma avaliação cuidada, não só do ponto de vista clínico mas também do ponto de vista sócio-profissional, tentando valorizar as queixas do doente e a relação com as suas atividade diárias.
As recentes opções cirúrgicas para a presbiopia trouxeram um grau de complexidade acrescido a esta nossa decisão clínica.
A idade de início da presbiopia é variável, situando- se geralmente entre os 40 e os 45 anos.
Dependendo de fatores como a amplitude de acomodação, o erro refrativo associado, a natureza e a frequência das tarefas realizadas para perto, podem ser relatadas queixas de perda de nitidez, astenopia e até ocasionalmente cefaleia no esforço de focagem.2
Devemos tratar todos os indivíduos assim que iniciam as queixas?
Para um doente com presbiopia incipiente, a abordagem apropriada depende das necessidades visuais específicas.
Se executar pouco trabalho de perto ou não sentir desconforto significativo nessas tarefas, provavelmente não necessita de correção ótica.
Deve ser avisado da evolução esperada e reavaliado quando necessário, depois de explicadas algumas estratégias compensatórias para reduzir a necessidade de acomodação, como o ajuste da luminosidade e da distância de trabalho, bem como adotar pausas mais frequentes.
Desta forma melhoramos os sintomas e podemos até retardar o início da correção durante os primeiros meses ou anos após início das queixas.
Nos indivíduos com miopia ligeira a moderada, pode também ser aconselhada a permanência sem correção durante atividades mais prolongadas, solução simples e por norma bem aceite.2,3,22-23
Que estratégias usar na prescrição?
De uma forma geral os sintomas serão mais prevalentes em tarefas para perto prolongadas ou mais exigentes.
Devemos explicar ao nosso doente que todos os tipos de correção para a presbiopia (óculos, lentes de contacto ou mesmo cirurgia) representam sempre algum compromisso em relação à qualidade de visão com acomodação preservada.14-22
O uso de óculos é sem dúvida a forma de correção mais frequente. Doentes com queixas constantes beneficiam da correção ótica, devendo ser prescrita a adição mínima possível que permita uma visão de perto clara e confortável.2-4
Devemos evitar o excesso de adição muitas vezes preferido pelos pacientes porque apesar da melhoria da acuidade, vai reduzir o conforto por limitar o campo visual.4
As lentes monofocais simples ("óculos de leitura") são ainda uma opção apropriada para muitos presbíopes.
Os candidatos típicos são emétropes ou com baixo grau de ametropia que não sentem necessidade de correção para longe, fazem um uso pontual da adição de perto e pretendem uma solução simples e económica.
Alguns portadores de lentes de contacto (LC) quando bem corrigidos para a distância podem também preferir esta opção para perto.
Outros, por dificuldades prévias na adaptação a lentes multifocais, podem também privilegiar as lentes monofocais, por proporcionarem um amplo campo de visão para a distância pretendida sem aberrações.2,5
Uma alternativa possível no tratamento da presbiopia passa pelo uso de lentes bifocais, com transição mais ou menos evidente entre os segmentos de potência dióptrica fixa.
A transição abrupta da imagem pode desagradar a muitos doentes e esta opção tem vindo a cair em desuso pela adesão crescente às lentes progressivas.
Por sua vez, as lentes trifocais incorporam a graduação de longe, de perto e intermédia, importante na presbiopia avançada.2,5
Pelo aumento progressivo da potência da lente através de um corredor central até à zona inferior de visão de perto, as lentes progressivas conseguem proporcionar uma boa visão nas várias distâncias.
Muitos indivíduos necessitam de algum tempo de adaptação (dias a semanas)2,6, mas vários trabalhos mostram que a maioria dos presbitas prefere estas lentes com transições mais suaves e sem limites inestéticos.7-11
As diferenças entre os desenhos das lentes estão relacionadas com a altura e largura do corredor de potência progressiva e, de quanto deste, é destinado a cada distância focal.
Diferentes áreas da lente podem ser expandidas, dependendo da função pretendida com a lente e consoante o fabricante.
Contudo, além do custo adicional há outro "preço" a pagar já que, inerentes ao desenho da lente progressiva, existem aberrações esféricas periféricas e um estreitamento da área de adição ao corredor central, com potencial prejuízo na adaptação.
Por esse motivo, a qualidade de visão pode ser afetada no olhar lateral extremo, em particular no campo inferior de visão.
No quotidiano são várias as situações ocupacionais que criam um amplo espectro de necessidades acomodativas, quer por variação da distância de trabalho, quer devido a características da própria tarefa.12
Para os individuos que passam muito tempo em casa ou no escritório, com predomínio da visão de perto e intermédia, as lentes progressivas tradicionais não proporcionam um campo de visão tão confortável.
Alguns fabricantes desenvolveram por isso diferentes desenhos do poder dióptrico da lente ("lentes de escritório" ou ocupacionais) que podem ser adaptados de acordo com as necessidades individuais na visão de perto e intermédia.
Estas lentes têm uma zona intermédia mais alargada do que as progressivas "normais" para maior conforto ao computador e para perto, em detrimento da visão à distância.
São úteis, por exemplo, para quem usa não só o computador mas tem de ler e interagir com pessoas de forma simultânea num espaço mais confinado.
Por outro lado, para distâncias de trabalho mais constantes, lentes monofocais são por vezes a solução mais confortável até para presbíopes que usam lentes progressivas.13-15
Que conselhos dar para facilitar a adaptação à correção?
Em primeiro lugar, além de insistir no uso continuado da correção prescrita, podemos sugerir a preferência por maior movimento da cabeça e menor dos olhos.
Desta forma, podem mover horizontalmente o queixo e nariz para fixar mais diretamente os objetos e, verticalmente, ajustar a inclinação dos olhos e da cabeça de modo a que o eixo visual intersete a área da lente com a adição necessária a cada tarefa.
Podemos usar exemplos do quotidiano como a necessidade de baixar o olhar para leitura, baixar a cabeça e elevar os olhos ao descer escadas, evitar posições muito reclinadas na condução ou a ver televisão.
No computador, em particular, sugere-se ajustar a altura da cadeira e do ecrã para que, à distância de 50-75 cm, o topo do monitor esteja cerca de 15cm abaixo do nível dos olhos, de forma a manter 20° de inclinação quando se fixa o centro do ecrã.
Assim evitam-se as posturas viciosas decorrente do afastamento e elevação do queixo à procura do local de maior adição da lente.
A regra 20/20/20 é uma útil mnemónica anglo-saxónica que nos recorda que por cada 20 minutos no ecrã devemos fixar por 20 segundos um objeto distante (6m ou 20 feet).22-23
Além de correções posturais e adequada lubrificação, a capacidade de focagem melhora consoante a intensidade e qualidade da iluminação, sendo máxima com a luz natural.
A adequação da luminosidade ambiente com redução do encandeamento contribui para aumentar o conforto e a amplitude acomodativa.
Assim o aumento de iluminação insuficiente, a redução de uma luminosidade circundante muito intensa e ainda o uso de lentes com tratamento antirreflexo podem ser úteis.22,23
Claro que ametropias mais elevadas podem dificultar a adaptação a lentes progressivas, mas há alguns doentes que nunca se habituam a lidar com a multifocalidade.
Esta nova realidade sensorial necessita de processamento e integração neurológica, num processo de neuroadaptação ainda mal caraterizado e sujeito a significativa variabilidade interindividual.
Estão descritos riscos acrescidos de acidentes e quedas (por ex: descer escadas) quando comparado ao uso de lentes monofocais.25
Será por isso prudente alguma reserva na prescrição em indivíduos mais idosos, com limitações de mobilidade ou comorbilidades oculares graves.
E com lentes de contacto? Que estratégias são possíveis?
As LC são outra opção na correção da presbiopia mas requerem igualmente compromissos na qualidade de visão e na adaptação ao seu uso continuado.
O número de portadores de LC que necessitam de correção para presbiopia tem aumentado nos últimos anos, e são estes porventura, os mais motivados para o seu uso continuado.
Associado a situações de trabalho de perto prolongado com recurso a dispositivos electrónicos, o uso de LC exacerba sintomas de olho seco, podendo recomendar- se o uso de colírios lubrificantes.22,23
Tanto as LC rígidas como as lentes hidrófilas podem ser usadas na correção da presbiopia.24
Nesta escolha, o oftalmologista deve considerar obviamente a refração mas também o desenho da lente e a fisiologia ocular, identificando os indivíduos com maior risco de intolerância às LC.
Outros fatores como a motivação, compreensão, tipo de atividades laborais e não laborais, destreza manual, higiene pessoal e capacidade financeira são também importantes à adaptação bem sucedida.24,26
A correção da presbiopia com LC pode incluir a monovisão e a multifocalidade por visão alternada ou visão simultânea.
A monovisão implica adaptar um olho com a melhor correção para a distância (geralmente o olho dominante) e o outro para a visão de perto.
Apesar de ser uma estratégia relativamente bem sucedida (sucesso de 60-80%)17,27-30, a anisometropia pode afectar a acuidade binocular e a estereopsia, com potencial deterioração da qualidade de vida quando comparada com a satisfação na adaptação a LC multifocais, mais próximas das reais necessidades do quotidiano.2,29,31
Os fatores correlacionados com melhores resultados em monovisão incluem boa supressão intraocular da desfocagem, anisometropia inferior a 2,0- 2,5 dioptrias, boa correção à distância no olho dominante, boa estereoacuidade, ausência de endoforia e vontade do doente em adaptar-se à monovisão.13,16,17,33
As lentes multifocais (rígidas ou hidrófilas) são designadas de “visão alternante” ou de “visão simultânea” consoante o seu desenho.29
Os portadores podem relatar imagens fantasma, dificuldade em condições escotópicas e redução do contraste.29,32,34
A motivação do presbita é também determinante para o sucesso, sendo que alguns ficam muito satisfeitos, enquanto outros toleram as deficiências de desempenho visual em troca dos benefícios funcionais e cosméticos do uso ocasional (eventos sociais ou desporto).2
Por último, outra estratégia passa por combinar o uso de óculos com LC monofocais, como já foi abordado.
Um exemplo comum é o do individuo que usa as suas LC para longe e lentes monofocais aditivas apenas para as tarefas de perto.
Outra possibilidade envolve doentes com monovisão em LC que recorrem a óculos para melhorar a visão binocular em determinadas tarefas para a distância (na condução, por exemplo).2,29
"Doutor, o meu problema não tem operação"?
Como responder ao nosso doente?
Não é nosso objetivo detalhar aqui todas as intervenções cirúrgicas disponíveis para a presbiopia, as suas indicações e complicações.
Contudo, é cada vez mais natural que sejam referidas pelo próprio doente que não se revê nas soluções já referidas ou que tem conhecimento de opções cirúrgicas por intermédio de familiares, amigos ou da simples pesquisa online.
Uma forma comum e relativamente bem sucedida de correção cirúrgica passa pelo uso da monovisão, através de cirurgia refrativa corneana ou por implante de lentes intraoculares.
Uma estratégia útil pode ser testar previamente a adaptação à monovisão com óculos ou lentes de contacto.
As lentes intraoculares multifocais têm-se diversificado na quantidade e na qualidade de visão obtida.
Estas lentes, ditas premium, permitem graus variáveis de multifocalidade que, como o nome indica, produzem diferentes imagens a diferentes distâncias focais, cabendo ao doente a escolha do foco pretendido em determinada atividade.14,35-39
Existe sempre algum grau de imprevisibilidade no processo de adaptação e deve ser discutido o risco-benefício destes procedimentos.
A nossa tarefa passa por selecionar os candidatos mais adequados a cada tipo de lente, não só do ponto de vista oftalmológico mas também do ponto de vista motivacional para aceitar o compromisso na qualidade de visão.
Alguns doentes podem queixar-se de encadeamento, halos e perda de sensibilidade ao contraste, culminando por vezes no explante e troca de lente.40
Individuos com grande exigência visual, que necessitam de conduzir longos períodos e adaptar-se a constantes mudanças de luminosidade, não são os candidatos mais adequados.
Em caso de dúvida, a referenciação a um cirurgião refrativo é uma opção adequada e pode servir o melhor interesse do nosso doente.
Em conclusão...
A solução perfeita para corrigir a presbiopia ainda não existe e cada opção tem as suas vantagens e desvantagens.
A anamnese detalhada, um exame objectivo completo e o aconselhamento do oftalmologista são fundamentais para ajustar os objetivos e expectativas do nosso doente, ajudando-o a tomar uma decisão informada e a adaptar- se, de forma realista, às soluções mais adequadas para as suas necessidades.